De acordo com...

 

Um dia de cão (o til não caiu, viu?): explorando o acordo ortográfico*

 

Por Michelle MKO

Sabe aqueles dias perfeitos em que você acorda e pensa:

- O dia de hoje está com uma cara ótima! Nada vai me atrapalhar!

Pois é, ontem eu acordei assim. Eu estava joia e de tão animado resolvi sair e comprar o presente para minha mãe. Assim que eu entrei em uma loja tudo mudou:

Uma senhora surgiu de repente ao meu lado insistindo para eu ensinar como é que se usava o micro-ondas. Ela disse que o havia comprado ali e que o negócio não ligava de jeito nenhum. Meus Deus! Eu pensei. Ela nunca deve ter ouvido falar em creme antirrugas! A cara dela parecia um maracujá ressecado e ela não parava de falar um minuto me xingando achando que eu era o vendedor e que tinha vendido o aparelho pra ela com defeito. Eu tentava falar com ela e não adiantava, a velha não calava a boca e todo mundo na loja começou a me olhar com ar de reprovação. Chegou um rapaz com ar heroico e teatral e foi logo esbravejando:

- Meus olhos não creem no que veem. Você não tem vergonha de enganar uma senhora?

Eu fiquei possesso com a teatralidade moralizante do garoto e fui logo retrucando:

- Ah, qual é? Você cai de paraquedas aqui e vem me dar lição de moral? Você nem sabe de nada e vem falando bobagem...

Nisso, veio uma professora de autoescola - com o aluno a tiracolo e tudo - e se junta ao coro dos indignados comigo:

- Você é um boçal! Um estúpido, ignorante, machista e mal amado. Você tem ideia do que significa maltratar uma idosa? Já ouviu falar no estatuto do idoso?

Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Meu espírito queria alçar voo dali.

O gerente vendo o tumulto se aproximou rapidamente e foi tropeçando na multidão para chegar até a senhora que ainda falava desesperadamente. Eu tentei a todo custo explicar ao gerente o ocorrido, mas a velha não parava de falar e cutucá-lo. O coitado mal se aguentava e tentava sorrir para amenizar os olhares furiosos dos clientes aglomerados a nossa volta. Ele disse a ela:

- Minha senhora, fique tranquila! Tudo há de ser resolvido. Eu te apoio em sua indignação pelo produto não ter funcionado, mas esse senhor – e levantou meu braço para mostrar a ela – não trabalha aqui na loja e não tem culpa de nada. Os olhares para mim se desarmaram na hora e eu suspirei aliviado – A senhora trouxe a nota fiscal?

Ao ouvir nota fiscal a velha calou a boca e quando a gente já ia comemorar o silêncio ela encheu o peito de ar e recomeçou:

- Mas que feiura! O senhor está achando que eu vim fazer alguma tramoia aqui? Pois saiba que eu sou uma consumidora ciente de meus direitos e obrigações e se duvida de mim aqui está a nota para te fazer calar – e tirou da bolsa uma nota fiscal rosa amassada e foi quase esfregando na cara dele.

A plateia estava enorme e os olhares pareciam bolas frenéticas em um jogo de pingue-pongue. O gerente que ainda se segurava pegou a nota, delicadamente a desamassou e ficou estático. Silêncio. A velha de braços cruzados e dando pequenas batidas com o pé no chão fez com o nariz uma bufada desaforada esperando uma posição do gerente.

- Minha senhora? Qual é mesmo o seu nome?

- Coreia. Respondeu petulante.

- Dona Coreia, por gentileza, olhe para ali – e apontou o dedo gordo para o outro lado da rua.

Todos olharam.

- Foi lá que a senhora comprou o micro-ondas. Vá até lá e aproveite e dê minhas recomendações ao Zé Colmeia, o vendedor que te atendeu.

 

* As palavras em negrito já estão adequadas às novas regras do acordo ortográfico.

 


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Espaço para trocar impressões sobre as leituras da disciplina Literatura Brasileira ministrada no curso de Letras da Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte. Este espaço constitui-se então em um ponto de encontro entre nós, estudantes, professores e amantes da arte literária.

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